sexta-feira, 11 de junho de 2010

Em cartaz....

A Morte E A Morte De Quincas Berro D'água
(Jorge Amado)

O baiano Jorge Amado é um dos escritores brasileiros mais conhecido no exterior, senão o mais conhecido. Autor de romances ditos "regionalistas", definiu-se certa vez como "apenas um baiano romântico e sensual".  A morte e a morte de Quincas Berro D'água é, uma crítica azeda aos comportamentos burgueses. A par disso, Jorge Amado soube colocar sua imaginação a serviço do humor e da ironia: criou, nas 12 partes da novela, um homem, Quincas, que, mesmo morto, vai ter sua noite de almirante. E já começa anunciando o enigma: "Até hoje permanece certa confusão em torno da morte de Quincas Berro D'água. Dúvidas por explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas. Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos, mantém-se intransigente na versão da tranqüila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato, sem frase." A família de um lado, os amigos do outro... Segundo a versão de Mestre Manuel e Quitéria do Olho Arregalado, não foi nada disso. Mas que diabo de história é essa? A história de um homem que, nos últimos anos de sua existência tornara-se desgosto da família, que abandonara a partir da aposentadoria. Uma mulher chata e faladeira, uma filha que lhe seguira os passos, e o nosso Quincas debandou: de homem íntegro e cumpridor, caiu na vida e se transformou no bêbado mais famoso da Bahia, no freqüentador da zona do cais do porto O narrador, em terceira pessoa, nos avisa que um homem pode ter muitas mortes. Inclusive aquela, a de que seu nome fosse pronunciado na frente dos netos, observando-se que o cabo Joaquim, homem bom e trabalhador, morrera cercado da estima e do respeito de todos. Os colegas de repartição de Leonardo Barreto, o genro de Quincas, e as amigas de Vanda, a filha envergonhada, todos achavam que Quincas era homem justo e bom. Mas descobriram , por fim, de quem se tratava. Então, quando um santeiro veio avisar que Quincas morrera de verdade, a filha e o genro acharam bom o fato: estavam finalmente livre das vergonhas públicas praticadas por ele. Mas precisavam enterra-lo. Foram encontra-lo naquele catre sujo, estendido, com o dedão do pé a sair da meia furada e um sorriso de escárnio a bailar no rosto. "Era o cadáver de Quincas Berro D'água, cachaceiro, debochado e jogador, sem família, sem lar, sem flores e sem rezas." A mulher Otacília certamente morrera de desgosto quando o marido, aos 50 anos, abandonara a família, a casa e os hábitos distintos , os conhecidos e amigos e fora vagabundear pelas ruas, beber em botequins baratos, freqüentar a zona do meretrício, viver sujo e barbado, morar em infame pocilga e dormir em catre miserável. Enquanto esperavam o atestado de óbito, Vanda imagina que poderá pedir a aposentadoria do pai para si. E era preciso enterra-lo. Na pocilga em que o pai morava, não havia nada para sentar, a não ser um caixão de querosene vazio. Expulsou os curiosos e esperou. Comprado o caixão, imaginou levar o pai para casa e velá-lo como se fosse cristão, tia Marocas, gorda de dar medo, achava melhor espalhar que ele morrera no interior e que só fariam o convite para a missa de sétimo dia. E assim foi feito o velório, com os parentes se revezando. À tarde, Vanda ficou a sós com o pai; a humilhação de anos e anos, a morte da mãe e os nomes que davam ao pai: rei dos vagabundos da Bahia, cachaceiro-mor de Salvador, senador das gafieiras... olhando o pai morto, sentiu , finalmente, que domara Quincas. Mas, em meio a devaneios sobre a infância, lembrando-se depois de quando iria se casar e que o pai as abandonara, ouviu o desaforo sibilante de Quincas. A notícia da morte de Quincas espalhara-se pelas ruas de Salvador e se lembravam os amigos de que ele jamais admitia morrer numa cama e porque sesequirasse sempre, depois de beber, dizia que era porque era um velho marinheiro, um homem do mar. Homem como poucos, diziam, que passara anos sem beber água e reconhecia uma pinga pelo cheiro ou cor. Mas que um dia berrava assustadoramente porque bebera água em lugar de pinga, num balcão imundo perto do Elevador Lacerda... No começo da noite, foram os amigos mais íntimos velar o velho Quincas: Curió, Negro Pastinha , cabo Martim e Pé-de-Vento. Tinham chorado muito e estavam ainda sóbrios, ofereceram-se para tomar conta do morto. A família aceitou, as mulheres se foram e os homens, um a um , também. Eduardo que deu aos amigos dinheiro para eu comprassem sanduíches, prometendo voltar pela manhã, para o enterro. Os amigos puseram um sapo entre as mãos do defunto que se iluminou; deram-lhe depois a bebida, sentaram-no no caixão, vestiram-no com as roupas velhas e o descalçaram. Quincas começou a falar , os amigos o puseram de pé e saíram com ele para a noite. Quincas divertiu-se por toda a noite, entre prostitutas (mulheres-damas) e bêbados, e terminou a noite entre as pernas de Quitéria, sentado na praia. Depois, no saveiro de Mestre Manuel, foi colhido por uma onda e desapareceu no mar, o velho marinheiro.

 

 

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